in , ,

ENTREVISTA: O indie-folk brasileiro de “Os Arrais”

É certo que passamos toda nossa vida em busca de respostas para nossa existência; ora naufragada, ora relutante na dicotomia ser-estar. Nos apropriamos de culturas, cultos, subversões de nós mesmos e do mundo. Em nossa concepção de humanos falidos, não há nada que desestabilize o caos e nos traga de volta para a superfície. Porém, temos consciência de uma luz e buscamos incessantemente por ela.

“No desapontamento a esperança nasce, e vivo o presente independentemente do que passou” – Esperança, Os Arrais

Turnê brasileira, com todos os seus lugares ocupados. O público em busca de uma apresentação gospel, em busca da verdade divina encrustrada na música. Encontraram mais.

Quando abrimos nossos lábios pra difundir que Deus é amor, esquecemos que nascemos desse amor e que ele já está enraizado em nós.

Cristianismo é a apropriação desse amor” – Tiago Arrais

Na apresentação dos irmãos Tiago e André Arrais – Os Arrais – essa premissa foi descoberta como se quase nunca tivemos tido a oportunidade de ouvir falar sobre. Mas vemos, ouvimos e sentimos nas pequenas coisas da vida, só deixamos passar.

Os Arrais é uma dupla indie-folk pouco conhecida no mundo dito secular, o que é uma pena. Apesar de terem como base de vida e razão de tudo O Eterno, suas letras são experiências de vida contadas de forma musicada. Experiências que qualquer ser humano vive.
No site O Fausto, o sentimento de ouvir os irmãos foi descrito como Oceânico, e talvez não exista outro. É exatamente isso: oceânico. Ouvi-los é ter a oportunidade de arrancar de dentro da gente o que viveu por muito tempo guardado no mais profundo do âmago.
É ter a consciência do que é e de onde vem a Esperança.

Buscando em Deus descanso encontrar, e a paz que enche o coração da esperança que não vai achar em outro lugar” –Herança

Embora Os Arrais não tenham a música como foco de vida – Tiago é professor em uma Universidade Paulista e André é Pastor no Novo México – eles deixam as coisas acontecerem. Fazem apresentações a cada ano por diversos estados brasileiros, e não enxergam essa turnê como entretenimento. E de fato não é. As apresentações servem como reflexão, troca, entrega, percepção do que é real e do que já existe em nós.
Tratando-se de material musical, os irmãos possuem um álbum intitulado Mais e um EP lançado em 2015: As Paisagens Conhecidas, ambos disponíveis no Spotify.

Em uma conversa com eles, tivemos a oportunidade de saber mais sobre o processo de composição, novo EP e mais. Confira:

O que vocês acham sobre alcançar um público que não é cristão? (Por que é o que vocês conseguem…)

TIAGOAh é? Eu acho que no final das contas essa é a grande confusão que fazem. Acham que o músico cristão, é como se a gente tivesse escrevendo música pra pegar um monte de gente pra se tornar crente, mas eu não acho que é assim. Pelo menos as músicas que eu escrevo não são nesse âmbito. Na verdade tudo é uma exploração da subjetividade, da experiência humana que está acontecendo ao redor. Eu escrevo música como ser humano, para seres humanos que estão passando pela mesma situação. A gente vive num Brasil agora completamente complexo, socialmente e politicamente falando, tem muita gente que sofre, tem muita gente que passa por dilemas com perguntas que não tem resposta. Acho que essas coisas são características da experiência humana como um todo, por isso que alcança pessoas que não estão necessariamente dentro do âmbito religioso, porque a gente tá falando de frustração, a gente tá falando de esperança, de dias melhores que estão por vir, de questionar a tradição em muitos aspectos, então muitos desses não cristãos, ou talvez já foram cristãos e entendem esse tipo de sentimento, ou os não cristãos que não estão nesse contexto religioso vão pensar: “Cara, isso aí, eu entendo isso aí de alguma maneira porque eu também passo por essa perspectiva de perder filhos ou passar por dilemas existenciais e perguntas que não tem resposta”. Acho que é isso que acontece no final das contas.

Como funciona o processo de composição além de ter experiências como inspiração?

TIAGO – Então, isso é engraçado. É que não tem nada além das experiências pessoais. Eu acho que, no final, se eu for explicar cada frase de cada música que eu escrevo, vocês vão acabar conhecendo muito mais da minha vida pessoal do que parece na música pelo menos. Porque tudo tem um correspondente, tudo tem uma experiência que aconteceu e não tem nada além da experiência. Não tem uma musa. Não vou pra Islândia de novo, sentar lá e ficar olhando pra um vulcão e aí vem uma música. Não.

A última música que eu escrevi (não toquei ela hoje) se chama “Deserto”. Eu tava na mesa da cozinha de casa – e é raro escrever música hoje em dia, não é um negócio que acontece assim-. Então eu tava… sábado de manhã normalmente é um dia especial lá em casa, tem café na mesa e eu levo o violão, e a criançada toda lá e é um café especial… eu tava cantando com eles as musiquinhas que a gente canta, aí eles foram embora e eu fiquei sozinho com o violão, só dedilhando e olhando pra fora da janela… Ai como nesse retorno pro Brasil depois desses 8 anos que passei fora a gente se sente meio sozinho aqui… rodeado de gente conhecida, mas ainda assim extremamente sozinho, eu escrevi uma música chamada “deserto”, sobre solidão, comparando a solidão do nosso dia a dia, a nossa rotina, a cruzar um deserto inteiro.

É… “perdidos nas rotas das nossas rotinas, sem nunca saber nem rumo nem o destino”… Então as músicas saem nesse contexto, é o que a gente tá passando e não tem nada além da experiência (risos).

Pra muitas pessoas que os ouvem, essas composições configuram RENOVAÇÃO. Voces acreditam nisso?

TIAGO – Que tipo de renovação, me explica?

TRACKLIST – Então, muitas pessoas falam “ah, eu estava ouvindo a música de vocês, estava me sentindo muito mal, ouvi e me senti renovada, outra pessoa. Senti Deus me invadindo e tudo mais…

TIAGO – Então, eu acho que a música em geral tem esse papel de acalmar de alguma maneira. Tem esse poder. A bíblia diz que Davi tocava harpa pra Saul quando ele tava jogando lança em tudo quanto é gente, aí Davi tocava e ele se acalmava (risos). Então acho que a música tem esse papel de acalmar. Agora, como as pessoas vão interpretar essa experiência… “Ai, é Deus me invadindo, ou o espírito”… daí já tenho muito mais calma com relação a isso, ontologicamente. Como assim Deus ta dentro de você e o espírito desceu literalmente?! A bíblia fala dessas coisas mas eu acho que é bem diferente do que as pessoas hoje em dia imaginam. Eu acredito que existe algo divino na música, porque é Ele que dá o folego, é Ele quem deu madeira, a matéria prima pra criar instrumentos. Então é isso, tudo aquilo que é belo e bom, no final das contas vem dEle. Existe essa dinâmica, essa relação com o metafísico, mas eu acho que o que dá pra saber no final das contas é isso…

Acredito que quando o ser humano está diante de algo belo, ele tem um encontro imediato com o Criador. Vocês podem comentar um pouco sobre isso?

TIAGO – No final das contas é, o que determina o bom? É simplesmente a minha subjetividade? O bom pode ser algo pra você e outra coisa completamente diferente pra mim, daí tudo é Deus? É isso que confunde, no final das contas. 

Eu acho que o filtro pelo qual a gente interpreta a realidade da nossa experiência humana é a bíblia, isso é o que traz o parâmetro de fato, e obviamente isso não elimina o subjetivo, o “sexto sentido”. Então não é que a bíblia agora e você não tem… Acho que é  uma mistura entre esses dois, de você encontrar um foco entre os dois. Entre o que a bíblia tá dizendo, daquilo que é belo e bom, daquilo que é agradável e da sua experiência de saber que a bíblia não vai falar tudo que é belo e bom e você tem capacidade e consciência pra determinar de fato aquilo que é belo e bom. Acho que a junção desses dois é extremamente significativa.

Como foi o processo de deixar o pastoreado nos EUA? Vocês pretendem continuar isso aqui no BR? 

TIAGO – Eu estudei oito anos e o André 4 ou 5 anos e agora ele é pastor e eu voltei pro Brasil.

ANDRÉ – Eu moro a um ano e meio nos EUA, um ano e meio como pastor de duas igrejas lá e o Tiago é professor universitário. A gente sempre se acostumou em viver longe e isso não tira o fato que vão ter turnês, que vai ter esse trabalho que a gente exerce juntos. É até bom, eu acho que chega nesse momento… a gente tava até conversando, a gente se sente até cansado e já foram somente 10 cidades. Tem gente que faz 20 por mês e vai fazendo sempre… A gente vê que não é bem assim, eu acho que nosso fundamento daquilo que a gente faz… O Tiago é professor e eu sou pastor e no tempo que a gente tem livre… ele tira até férias, eu tiro algumas semanas livres pra gente ter esse momento juntos. A gente vê importância, a gente vê que aquilo que a gente faz não é em vão. Não é só algo que sacia as pessoas, porque eu pelo menos saio com uma perspectiva diferente, entro em contato com pessoas que são diferentes da gente, a gente passa o tempo viajando com pessoas que também são diferentes, o pessoal da nossa banda, da nossa equipe. Então é uma experiência de vida. Todo mundo diz que quanto mais você viaja pelo mundo, mais você agrega um certo conhecimento maior de vida , da realidade do mundo. Então essas turnês tem esse benefício, pelo menos pra mim, de agregar experiência de vida. É muito bom.

TIAGO – Mas o ponto que guia o nosso trabalho não é a música, não é “porque tá fazendo sucesso no Brasil, então vamos todos voltar pro Brasil, porque a música precede a vida”… A gente gosta de manter o contrário, não que seja errado alguém fazer isso, acho que cada um tem sua maneira de se conduzir, mas pra gente a vida precede a música, então ele (André) tá lá como pastor, eu tô aqui como professor porque a vida se desenvolveu dessa maneira, se desaguou dessa maneira, e daí a gente se junta pra fazer música porque se não tiver esse contraponto, essa raiz na experiência normal de uma pessoa normal de estar com pessoas que não conhecem você e tudo mais, pra mim não tem de onde as músicas surgirem, no final das contas. Então a vida precede a música ao invés da música guiar aquilo que a gente tá fazendo. E daí faz com que a vida seja de um jeito diferente…

E sobre turnê por lá? 

ANDRÉ – Se você perguntasse pra gente há 3 anos que a gente estaria tipo no teatro Bradesco com 1400 pessoas a gente nunca ia imaginar, portanto, se você fala assim “cês tem plano de fazer alguma coisa nos EUA?” Não se sabe, a gente não sabe, esse que é o modo. O mundo e o que acontece, as vezes acontece de forma tão rápida que não tem como antecipar muitas coisas. Então talvez eu possa falar assim: “não, a gente não tem planos pra isso”, aí ano que vem a gente tá fazendo turnê nos EUA (risos). Não, acho que é um exagero falar isso mas acho que nunca é bom descartar uma possibilidade nesse aspecto porque Deus tem aberto portas pra gente e pode ser que abra alguma porta por lá e a gente não sabe.

TIAGO – Mas a gente não tem um plano de carreira assim “vamos conquistar as américas” (risos). Nunca teve e não vai ser agora que a gente vai ter, então a gente leva um dia de cada vez.

ANDRÉ – Mas é um ponto relevante isso, gravar um EP é interessante. Eu as vezes me sinto limitado quando toco nas minhas igrejas lá e tenho que traduzir as músicas e existe até um bloqueio. Por mais que você traduza não é a mesma coisa, né? Então muitas pessoas, amigos nossos nos EUA perguntam “vocês vão gravar alguma coisa?”. A gente quer alguma coisa pra gente beber também, então a gente não sabe… e falta dinheiro (risos).

Leonardo Gonçalves comentou que antes do lançamento do EP vocês ja tinham um disco pronto. Porque não lançaram?

TIAGO – Tem alguns projetos já… Tem um CD sobre o pentateuco (os primeiros cinco livros da bíblia) que as músicas estão prontas, mas a gente tem que dar uma editada ainda, porque a gente vai escrevendo músicas novas e começa a ficar meio crítico das antigas. Então hoje em dia a gente escreve e não vai cantar sem que esteja “redondo” e ok. Então a gente já fez alguns testes com algumas dessas mais antigas, mas é que fazia sentido: tinha o Mais (primeiro CD), aí tinham algumas músicas que tinham ficado de fora, eu tinha escrito algumas músicas novas, aí eu falei “não faz sentido deixar essas músicas de lado”, então a gente fez meio que uma continuação. O barquinho que abre as velas da embarcação no Mais (se referindo à letra da música) é o mesmo que vai encalhar na música Fogo, que tá no Paisagens conhecidas que é o segundo álbum. O barquinho vai pro ideal, pro céu, e aí encalha numa música sobre o retorno pro Brasil, numa terra onde a ganância é lei, basicamente. Aí não fazia sentido terminar ali nessa catástrofe né? Então a gente tá preparando um novo EP, antes de lançar ainda esse (O CD ao qual já está pronto) a gente tá escrevendo um novo pra completar a trilogia (risos). O próximo EP vai ser chamado “Como Então Viveremos?”, uma vez que a gente abre mão da nossa vida, o barco encalha e a gente tá preso nessa terra… então é um CD altamente existencial sobre os dilemas da vida e de como conviver… E daí depois a gente se preocupa com as outras coisas que estão por vir.


Texto/ Entrevista: Lorrany Farias

Edição: Isabella Zeminian

Um comentário

Leave a Reply

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *