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OQTPH: Review de “Real/Surreal” da Banda Scalene

Nota introdutória: Desde o início dos anos 10 tenho ouvido burburinhos sobre uma provável morte do rock nacional acompanhada de uma avalanche desinibida de novos ritmos do qual vamos olhar nas próximas décadas e sentiremos vergonha do que foi feita a música tupiniquim. De fato, o que tenho observado é que -cada vez mais- meus olhos míopes presenciam uma “marketingzação” musical a base de muito photoshop e regada por preguiça e emburrecimento melódico.

É em meio a essa angústia no coração que eu volto com a coluna “O Que Tem Pra Hoje” fazendo os bons e velhos reviews cheios de sagacidade em que eu escrevo muito e falo pouco… E sim, a escolha desse CD tem tudo a ver com o discurso inicial.

Scalene-Real-Surreal

O CD dessa semana vem direto de Brasília para surpreender o parado mercado do rock brasileiro. Produzido por Lampadinha (Nx Zero, Los Hermanos, Titãs…) e Diego Marx (produtor do álbum anterior da banda além de uma bagagem com Móveis Coloniais de Acajú e Autoramas) “Real/Surreal” chega ao público cheio de boas e pretensiosas propostas.

Temos aqui um álbum com 18 faixas divido em dois episódios, o “Real” e o “Surreal”. O primeiro trata das coisas concretas, das experiências do dia a dia e traz ao público um lado da banda que remete ao estilo do CD anterior (Cromático), já o segundo trata do subconsciente, de questões mais reflexivas e que são abordadas de uma forma musicalmente nova para a banda que incluem arranjo de cordas do Lucas Lima (“Infinito” – Fresno).

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Com uma temática profunda e intensa, a banda Scalene nos apresenta um álbum semi-conceitual no qual as canções dialogam entre si e funcionam como uma história, mas também fazem sentido claramente se ouvidas de forma avulsa. Prometo que não vou ficar tentando explicar a história ou o personagem aqui, essa missão deixo pra vocês.

É incrível o cuidado e riqueza de detalhes que o quarteto conseguiu embotar em todas as 18 músicas. Esse turbilhão de ideias foi uma somatória entre Gustavo Bertoni pelos arranjos e vocais, Philipe Nogueira pela bateria com uma pegada que vai além do que é visto no mainstream nacional (e que surpreendeu revezando a parte vocal de várias faixas), Tomás Bertoni com timbres à la Metallica e Lucas Furtado (o nerd dos equipamentos) com um groove muito bem aplicado.

O CD que foi gravado na própria casa dos rapazes surpreende o rock atual brasileiro trazendo influências como City and Color, O’ Brother, Queens of Stone Age , uns vultos de Pink Floyd e uma pegada de Post Hard Core que lembra Letlive. Pode parecer prepotência, mas juntar tudo isso fez de “Real/Surreal” o que eu vos apresento como a maior obra do rock nacional em 2013.

Em “Real/Surreal” é tudo muito simples e ao mesmo tempo muito complexo. Tudo se relaciona e se correlaciona de forma surpreendente e intrigante. Os questionamentos falam por si só e fazem de cada faixa uma nova reflexão que, ao fim do disco, instigam e convidam a alma do ouvinte a apertar o play novamente.

 

Em miúdos:

CD “A” – Real

01)   Sonhador II: A primeira faixa inicia a “história” toda com uma grande inferência ao single passado (Sonhador parte I), contextualizando assim os fãs mais antigos. Com uma ótima presença dos dois vocais e uma pegada contagiante, os rapazes abrem a parte “A” do disco descrevendo bem o que está por vir a partir do play.

02)   Marco Zero: Com uma pegada mais swingada e um refrão que não vai sair da sua cabeça a segunda faixa dá uma pequena acalmada nos ânimos.

03)   Nós > Eles: Aqui encontramos o primeiro ponto alto do CD. Com uma melodia envolvente, letra crítica, sorte e uma pitada de sagacidade os rapazes souberam aproveitar bem o momento de protestos pelo Brasil e foram temas de matérias em grades sites.

04)   Silêncio: Eis que chega a primeira música calma do álbum. Destaque para a timbragem das guitarras e os arranjos vocais que remetem claramente à City and Color. Olha os pelinhos se arrepiando…

05)   Prefácio: A particularidade da quinta faixa vem através da letra, se mostrando um dos pontos cruciais da “saga” do tal personagem. Já quero tatuar “Não viver com os pés no chão”, apenas.

06)   Forma-Padrão: É perceptível um revezamento muito bem articulado entre os dois vocais além do beat mais que dançante da bateria (ombrinho balançando aqui), mas não são esses os destaques da faixa. Há pouco tempo a banda recebeu a proposta de uma grande gravadora e recusou, certeza que essa letra está ligada a isso. Vou deixar o resto pra interpretação fértil de vocês…

07)   Amanheceu: Qual é galera? Essas coisas de laços familiares mechem comigo, cadê o lencinho? Bom, brincadeiras à parte, nessa faixa vemos o lado mais acústico da banda (que remete -ainda que de forma distante- ao trabalho solo do Gustavo Bertoni) e nos deparamos com uma das letras mais lindas e de grande importância pro resto do CD.

08)   Desfarce: Querem que eu aposte num próximo single? Aqui está. O refrão mais “bem bolado” (salve Silvio Santos) do álbum. Além do jogo de palavras e rimas sagazes, deixo aqui destaque à imposição vocal do Gustavo, que conseguiu transpassar a dualidade de emoções com seu drive bem dosado e nas horas certas. Aguenta coração…

09)   Interlúdio: A nona faixa é apenas um interlúdio que prepara o terreno pro CD “B”. Vamos pra próxima página da história.

CD “B” – Surreal

01)   Dance Macabre: Foi a primeira faixa de trabalho do álbum e mostra minuciosamente o que seriam esses dois lados, tanto em letra como em impostação vocal e riffs à la Queens Of Stone Age. Próxima…

02)   Milhares Como Eu: Sabe aquela aulinha de História que você dormiu? Pois é, alguém da banda estava acordado e se ligou na curiosa “Trégua de Natal” de 1914. Além da bem bolada “dobradinha” vocal, a letra é o grande destaque e atenua mais uma vez o lado crítico/intelectual dos rapazes.

03)   Karma: Riffs nervosos e letra com um teor mais reflexivo, a terceira faixa deve se sair ótima em apresentações ao vivo.

04)   O Alvo: As guitarras dançantes dos Bertoni contra-ataca!, Dessa vez acompanhadas por contratempos ousados, coros vocais, letra instigante e uma pitada de música eletrônica. É tanta informação que não vai ser o suficiente ouvir a faixa uma única vez.

05)   Surreal: A faixa que intitula o lado “B” do CD se mostrou com um potencial além do esperado. Pra mim é a canção mais incrível do álbum e merece seu espaço na lista de próximos singles. Se o CD acabasse aqui a história já faria total sentido, como se a música fosse um resumo geral do trajeto do “sonhador”.

06)   Ilustres Desconhecidos: Nessa eu consegui ficar surpreso apenas com as timbragens e efeitos escolhidos a dedo, mas essa letra com um ar de autoanálise e o interlúdio sujo me remeteram a uma vibe meio New Metal. Tirou meu fôlego.

07)   Anoiteceu: Como o nome já deixa claro, essa faixa se encaixa com um momento que aconteceu no lado “A” do CD. O eu lírico que se despedira a tempos atrás agora encara os desafios e consequências de um mundo que não conhecia. Destaque ao arranjo de cordas feito pelo Lucas Lima.

08)   A Luz e a Sombra: Que loucura essa música! Mais um arranjo de cordas do Lucas Lima somado a uma letra que desmistifica (ou mistifica ainda mais) todo esse lance de mundo real X mundo surreal criado pelos rapazes. Confesso que ainda não consegui sintetizar todas as informações. Repito: Que loucura essa música!

09)   Branco: De forma sutil, porém requintada, a nona faixa encerra “Real/Surreal” te deixando com uma sensação angustiante na alma. Colocaria sem receios esta faixa numa playlist com o álbum “Division Bell” do Pink Floyd.

Se o Rock nacional acabou pra alguns, pra esse quarteto ainda é só o começo. Se os pessimistas declaram que o Rock de Brasília se foi junto com Renato Russo eu digo, sem exitar, que R. Russo ouviria esse disco e acharia genial.

Artista/Banda: Scalene
Álbum: Real/Surreal
Produtor(es): Lampadinha e Diego Marx
Selo: Independente
Nota: 10
Site Oficial (Vendas e Downloads Gratuitos): http://www.bandascalene.com.br/albums/real-surreal

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